BACTÉRIAS GARANTINDO A SAÚDE DE SEU CÉREBRO: É Verdade?

24/01/2016 15:11

BACTÉRIAS GARANTINDO A SAÚDE DE SEU CÉREBRO: É Verdade?

BACTÉRIAS GARANTINDO A SAÚDE DE SEU CÉREBRO: É Verdade?

Fernanda Maria Policarpo Tonelli, Rodrigo R Resende

 

Edição Vol. 2, N. 07, 3 de Fevereiro de 2015

DOI: https://dx.doi.org/10.15729/nanocellnews.2015.02.02.004

Quando se fala em bactéria, para a maior parte das pessoas o que vem imediatamente à mente são doenças. No entanto, estes seres tão pequenos desempenham papéis importantes em nosso organismo e com o avançar dos estudos científicos, novas e importantes funções destes são desvendadas.

Previamente o Nanocell News abordou os achados científicos de que bactérias do intestino de seres humanos magros podem emagrecer camundongos (1) (veja mais em https://www.institutonanocell.org.br/bacterias-do-intestino-de-seres-humanos-magros-podem-emagrecer-camundongos/), e de quebactérias geneticamente modificadas podem ajudar a combater tumores (2) (veja mais em https://www.institutonanocell.org.br/bacterias-geneticamente-modificadas-podem-ajudar-a-combater-tumores/). No entanto, outro importante estudo desenvolvido por pesquisadores liderados pelo professor Dr.Sven Pettersson revelou que a permeabilidade da barreira hematoencefálica é também influenciada por bactérias intestinais.

O QUE É A BARREIRA HEMATOENCEFÁLICA (BHE)?

A barreira hematoencefálica constitui em uma importante proteção para o sistema nervoso central (SNC), que inclui o encéfalo como um todo, que muitos chamam somente por cérebro (o que não está certo, pois o cérebro é uma parte do encéfalo) e a medula, também popularmente conhecida como espinha dorsal. Essa barreira hematoencefálica é a principal responsável para se evitar, por exemplo, que muitos fármacos tenham ações indesejadas no SNC e que neurotoxinas cheguem ao cérebro. Logo, a BHE intermedia o contato do SNC com o sistema circulatório, ou os vasos sanguíneos, de maneira altamente controlada.

Além de proteínas que regulam de maneira refinada o transporte de substâncias, constituem ainda a BHE as células endoteliais, que são as células que formam os vasos sanguíneos (colocadas muito próximas umas das outras via junções célula-célula de abertura e fechamento finamente coordenados), astrócitos (células gliais em forma de estrela) e pericitos (associados aos pequenos vasos sanguíneos) (3) (veja mais emhttps://www.institutonanocell.org.br/reconstruindo-o-cerebro-apos-um-derrame-ou-em-demencias/).

A PESQUISA

Para realizar o trabalho os cientistas utilizaram camundongos criados em laboratório de maneira convencional e camundongos livres de germes (do inglês,germ-free). Estes últimos são isentos de micro-organismos, pois são criados toda a vida em isoladores (Figura 1), não possuindo contato com o meio externo. É como o filme “O menino da bolha”, ou a doença que leva o mesmo nome. A pessoa não tem defesas para atacar os gemes ou as infecções, então deve viver isolada do meio ambiente, literalmente dentro de uma bolha.

bacterias-cerebro

Figura 1: Exemplo de isolador para criarem-se animaisgerm-free, ou livres de germes.

Os pesquisadores injetaram nos animais um marcador radioativo, incapaz de passar pela barreira hematoencefálica normal (4).

O que perceberam então foi que em animaisgerm-free a capacidade da barreira hematoencefálica de bloquear o marcador encontrava-se comprometida. Nos animais isentos de germes percebeu-se a presença do marcador na região do cérebro (Figura 2 – a área amarelada na região da cabeça é indício de presença do marcador, representação à esquerda) (4). Em camundongos criados de maneira natural, que têm germes, no entanto, a área amarela não estava presente (representação à direita), evidenciando-se assim a função intacta da BHE (4).

bacterias-cerebro2

Figura 2: Animais após injeção do marcador. À esquerda animalgerm-free, no qual a região amarelada na cabeça é indício de alteração de permeabilidade na barreira hematoencefálica, permitindo a passagem do marcador radioativo. À direita, camundongo normal, com a barreira com sua permeaabilidade natural não comprometida, não permitindo assim, a passagem do marcador (Adaptada de (4)).

Como etapa seguinte do estudo, os pesquisadores inseriram a microbiota intestinal livre de patógenos nos animais isentos de germes adultos e repetiram o procedimento de injeção do marcador.

Agora, os animais se comportavam como os camundongos normais (Figura 3), e o marcador não mais era capaz de passar a BHE. Além disso, os pesquisadores observaram que a inserção de microbiota ocasionou maior expressão de proteínas constituintes das chamadasjunções de oclusão, responsáveis por manter as células vizinhas constituintes da BHE unidas por contato íntimo. Assim sendo, a expressão destas proteínas e a consequente maior justaposição das células conduziram à diminuição da permeabilidade da BHE a níveis normais (4).

bacterias-cerebro3

Figura 3: Animais pós-injeção de marcador radioativo que não passa naturalmente a barreira hematoencefálica (BHE). À esquerda, camundongos isentos de germes – com maior permeabilidade da BHE permitindo a passagem do marcador, identificado pela cor amarelada na cabeça. Ao meio, camundongos normais, com a permeabilidade natural da BHE não afetada. A cor amarelada não está presente, o que indica que o marcador radioativo não penetrou a barreira. À direita, camundongos isentos de germes após receberem microbiota intestinal isenta de patógenos – a permeabilidade da BHE é elevada a valores normais, e o marcador, consequentemente, não mais consegue passar por esta (Obtida de (4)).

Os resultados sugerem que a dieta de uma mulher ou a exposição à antibióticos durante a gravidez pode influenciar o desenvolvimento desta barreira. O trabalho também pode levar a uma melhor compreensão da esclerose múltipla, em que uma barreira hematoencefálica fraca, ou que permite a livre passagem de substâncias, pode definir a fase de declínio da função cerebral.

Referências

1. Andrade JCS, Resende RR. Bactérias do Intestino de Seres Humanos Magros Podem Emagrecer Camundongos. Nanocell News. 2013 10/07/2014;1(1). Epub 10/07/2014.

2. Bezerra MA. BACTÉRIAS GENETICAMENTE MODIFICADAS PODEM AJUDAR A COMBATER TUMORES. Nanocell News. 2014 10/20/2014;2(2). Epub 10/19/2014.

3. Resende RR, Pinto MCX. RECONSTRUINDO O CÉREBRO APÓS UM DERRAME OU EM DEMÊNCIAS.Nanocell News. 2014 12/23/2014;2(5). Epub 12/22/2014.

4. Braniste V, Al-Asmakh M, Kowal C, Anuar F, Abbaspour A, Toth M, et al. The gut microbiota influences blood-brain barrier permeability in mice.Sci Transl Med. 2014 Nov 19;6(263):263ra158. PubMed PMID: 25411471. Epub 2014/11/21. eng.